Aposentado de Rondônia faz centro cultural em casa e cria ‘berimbaussauro’

Pela classificação erudita, ele seria um “multiartista”. Mas, dentro da cultura popular, é um mestre. Dom Lauro, 74, até dez anos atrás era um conhecido comerciante do centro de Porto Velho, capital de Rondônia.

De tantos problemas que teve com funcionários, clientes e fornecedores, fechou sua loja de móveis e eletrodomésticos, acertando todas as dívidas. Começou aí sua “aposentadoria artística”, pintando, esculpindo, escrevendo e inventando e tocando instrumentos musicais, como o “berimbaussauro”.

“Tirei tudo do meu caminho: compromissos, horários, orçamentos. Agora, todas as horas da minha vida estão dentro da arte”, define. Ele transformou um antigo sobrado de sua família no Espaço Cujuba, um centro de exposições, shows, peças e cursos. “Uma vez fiz uma exposição numa casa de cultura, mas em poucas semanas tive que desmontar tudo. Fiquei com uma vontade danada de ter ela pra sempre. Por isso, decidi morar em uma exposição permanente”, conta. Ele vive no local, que chama de “meu acampamento”.

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Hoje, um círculo de realizadores da música, artes plásticas, fotografia e literatura daquele canto da Amazônia se reúne embaixo do refrescante telhado de palha de carnaúba trançada dali.

O mestre recebe a todos deitado em sua rede, na sombra e pegando a brisa que passa entre a parede de bambu. Lá, ele conversa, recita sua poesia, canta e balança o chocalho em ritmo bem indígena. “Daqui da minha rede para todas as redes sociais”, brinca.


Cara de paca Lauro Lauri das Neves nasceu em Frecheirinha, no sertão cearense, e migrou aos 16 anos para Porto Velho. Como tantos nordestinos atraídos pelos ciclos da borracha, sua família veio atrás da “terra da fartura”. Seu pai tinha primeiro uma banca de feira que vendia roupas e sapatos. Depois montou uma bodega, que comercializava desde farinha até cachaça e querosene para os lampiões, que eram a única forma de iluminação da freguesia.

Além disso, seu pai era “mensageiro”: lia e escrevia a correspondência dos conterrâneos recém-chegados à floresta, a maioria sem estudo nenhum. “O povo queria mais era chamar todo mundo pra cá. Pediam para meu pai escrever: ‘Vem logo que aqui tem muita água’. Eu também ajudava. Acho que foi aí que começou meu interesse pela escrita”, conta Dom Lauro.

Naquela época, em meados dos anos 1960, a única ligação de Porto Velho com o resto do país era pelas águas do rio Madeira, afluente do Amazonas. A ferrovia Madeira-Mamoré, que ligava a cidade com a Bolívia, estava em decadência e seria desativada logo depois. Hoje, as rodovias esquadrinharam o Estado, trazendo a influência e os costumes das populações do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. E a fronteira agrícola engoliu boa parte da mata.

“Antes aqui a população era tudo ‘cara de paca’, como o pessoal chama quem é mistura de nordestino com indígena. Foi assim que se formou nossa cultura beiradeira, da beira do rio Madeira”, conta. “Aqui não tem marola, tem o banzeiro, que é a correnteza dos rios. Também não tem orla. É barranco mesmo. A gente cria na margem do rio, por isso é uma cultura que já nasce marginalizada”, complementa, com uma ponta de ironia.

Berimbau colossal Dom Lauro adora transformar em arte o que encontra pelas ruas e pelos rios de Rondônia. As tábuas dos pallets que o comércio abandona nas calçadas, por exemplo, viram quadros que retratam as corridas de rabetão (motor que dá propulsão pra canoa, como o de um cortador de grama). Essas são competições típicas dos ribeirinhos que atravessam de uma borda a outra dos igarapés em suas canoas com a propulsão de uma rabeta, um motor similar ao de um cortador de grama com uma hélice na ponta.

Ele também recolhe latões de tinta nas construções e os transforma em caixas de ressonância para seu “berimbaussauro” (às vezes, ele grafa “Berimbau Ossauro”). Dom Lauro deitou e encompridou o berimbau. Com falta da tradicional biriba (ou biribá), ele usa uma vara vergada de canela-de-velho, árvore comum na região, para estirar a corda de aço de onde sai o som.

Ele toca esse berimbau horizontal com duas varetas metálicas, adicionando distorções de blues norte-americano para o instrumento africano. “Botei esse nome porque é muito grande. Parece coisa de outro tempo, primitivo como os dinossauros e sem lugar neste mundo.

Além de cantar suas músicas tocando “berimbaussauro”, ele acompanha bandas locais como Canaranas e Beradelia em seus shows.

Aos ‘troncos e barrancos’…

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Fonte: UOL